Esta matéria é uma cópia do capítulo 11 do livro "A tragédia da Maconha: causas, consequências e prevenção" chamado: "EFEITOS TERAPÊUTICOS DA CANNABIS E DOS CANABINOIDES" No fim da matéria encontra-se o link para o livro completo em PDF. Importante resaltar que este livro foi escrito pelo Conselho Federal de Medicina - CFM.
Síntese das evidências: há evidências conclusivas de eficácia terapêutica da Cannabis como analgésico para dor crônica, antiemético em pacientes submetidos a quimioterapia e na espasticidade referida pelo paciente na esclerose múltipla. Há evidências moderadas de sua eficácia terapêutica nos distúrbios de sono, de curto prazo, na apneia obstrutiva do sono, fibromialgia, dor crônica e na esclerose múltipla 55. Há evidências limitadas da eficácia terapêutica para síndrome de Tourette, transtorno de estresse pós- -traumático, transtorno de ansiedade social, espasticidade reportada pelo médico na esclerose múltipla e na inapetência e perda ponderal na SIDA/AIDS.
A Cannabis sativa tem uma longa história como planta medicinal, provavelmente há mais de dois milênios, tendo permanecido disponível como medicamento licenciado nos EUA por cerca de um século, antes de a Associação Médica Americana retirá-lo da 12ª edição da Farmacopeia 292. Em 1985, empresas farmacêuticas receberam aprovação para começar a desenvolver preparações de Δ9-tetraidrocanabinol (THC) – Dronabinol e Nabilona – para uso terapêutico e, como resultado, os canabinoides foram reintroduzidos no arsenal de prestadores de serviços de saúde dispostos.
O renovado interesse nos efeitos terapêuticos da maconha emana do movimento que começou há vinte anos para disponibilizá-la como medicamento para pacientes com uma variedade de condições 56. Em 1996 o Arizona e a Califórnia aprovaram pela primeira vez a legislação sobre a Cannabis medicinal. Duas décadas depois, em 2016, 28 estados americanos e o Distrito de Colúmbia haviam legalizado o uso medicinal, enquanto 8 estados legalizaram ambos, uso medicinal e recreacional, e outros 16 permitiram acesso limitado a produtos com baixa concentração de THC.
As potenciais propriedades medicinais da maconha e seus componentes têm sido objeto de pesquisa e debate acalorado há décadas. O próprio THC demonstrou benefícios médicos em formulações específicas. A U.S. Food and Drug Administration (FDA) aprovou medicamentos baseados em THC, prescritos em forma de comprimidos para o tratamento de náuseas em pacientes submetidos à quimioterapia contra o câncer e para estimular o apetite em pacientes com síndrome consumptiva devido a HIV/AIDS.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) passou a considerar, com a Resolução RDC nº 17/2015, a Cannabis sativa como planta medicinal, retirando-a de uma lista de substâncias proibidas, e publicou resolução que autoriza a prescrição e importação de medicamentos com THC, além de ter liberado o registro e a importação de Mevatyl, composto por THC e canabidiol, indicado para espasticidade.
Além disso, vários medicamentos à base de maconha têm sido aprovados, ou estão sendo submetidos a ensaios clínicos no Reino Unido, Canadá e outros países europeus, para o tratamento da espasticidade e dor neuropática da esclerose múltipla, combinando THC com outra substância química encontrada na maconha, chamada canabidiol (CBD). A CBD não possui as propriedades gratificantes do THC e alguns e alguns relatórios indicam que pode ser promissora para o tratamento de distúrbios convulsivos, entre outras condições relatórios indicam que pode ser promissora para o tratamento de distúrbios convulsivos, entre outras condições
Os pesquisadores geralmente consideram medicamentos que usam produtos químicos purificados derivados ou baseados na planta de maconha como mais promissores terapeuticamente do que o uso de toda a planta de maconha ou seus extratos brutos.
O desenvolvimento de fitoterápicos a partir da Cannabis representa um grande desafio, pois a planta pode conter centenas de produtos químicos ativos desconhecidos e pode ser difícil desenvolver um produto com doses precisas e consistentes.
Esforços estão em andamento para desenvolver fármacos direcionados que sejam agonistas ou antagonistas dos receptores canabinoides ou que modulem a produção e degradação dos endocanabinoides, embora tais intervenções ainda não tenham demonstrado segurança ou eficácia. No entanto, espera-se que esses agentes terapêuticos estejam disponíveis no futuro.
O uso de maconha como medicamento também apresenta outros problemas, como os efeitos adversos à saúde do fumo de maconha e o comprometimento cognitivo induzido pelo THC. No entanto, um número crescente de estados norte-americanos legalizou a distribuição de maconha ou seus extratos para pacientes em muitas condições médicas.
Uma preocupação adicional com a maconha medicinal é que pouco se sabe sobre o impacto em longo prazo de seu uso por pessoas com vulnerabilidades relacionadas com a saúde e/ ou a idade – como idosos ou pessoas com câncer, AIDS, doenças cardiovasculares, esclerose múltipla ou outras doenças neurodegenerativas. Outras pesquisas serão necessárias para determinar se pessoas cuja saúde foi comprometida pela doença ou por seu tratamento (por exemplo, quimioterapia) correm maior risco de desfechos adversos para a saúde decorrentes do uso de maconha.
- Epilepsia: síndrome de Dravet e síndrome de Lennox-Gastaut Síntese das evidências: evidências científicas sobre o potencial de eficácia antiepiléptico dos canabinoides alcançaram um ponto de inflexão nos últimos doze meses, com a realização de três estudos de alta qualidade com terapia adjuvante controlada por placebo de um produto de CBD purificado em pacientes com síndrome de Dravet e síndrome de Lennox-Gastaut.
Nesses estudos, o CBD foi superior ao placebo na redução da frequência de convulsões (tônico-clônicas, tônicas, clônicas e atônicas) em pacientes com síndrome de Dravet, e na frequência de convulsões em pacientes com síndrome de Lennox-Gastaut. Pela primeira vez, há agora evidências de classe 1 de que o uso adjunto de CBD melhora o controle das convulsões em pacientes com síndromes epilépticas específicas.
Com base nas informações atualmente disponíveis, no entanto, ainda não está claro se o melhor controle das convulsões descrito nesses estudos estava relacionado à ação direta do CBD, ou se foi mediado por interações com medicações concomitantes, particularmente um aumento acentuado nos níveis plasmáticos de N-desmetil clobazam metabólito ativo do clobazam.
A clarificação da contribuição relativa do CBD para melhorar os resultados das convulsões requer uma reavaliação dos dados dos ensaios para o subgrupo de pacientes não medicados com o clobazam, ou a realização de estudos adicionais que controlem o efeito de fatores de confundimento dessa interação.
Quadro 12 – Evidências sobre a eficácia terapêutica de Cannabis e canabinoides com referências dos principais estudos.
EVIDÊNCIAS CONCLUSIVAS |
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Indicação clínica |
Forma/apresentação |
Dor crônica em adultos |
Cannabis |
Espasticidade reportada pelo paciente na esclerose múltipla |
Canabinoides orais |
Náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia |
Canabinoides orais |
EVIDÊNCIAS MODERADAS |
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Indicação clínica |
Forma/apresentação |
Distúrbio do sono de curto prazo: apneia obstrutiva do sono, fibromialgia, dor crônica, esclerose múltipla |
Canabinoides (nabiximol) |
EVIDÊNCIAS LIMITADAS |
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Indicação clínica |
Forma/apresentação |
Ansiedade par falar em público, no transtorno de ansiedade social |
Canabidiol |
Após lesão por trauma cerebral ou hemorragia intracraniana |
Cannabis |
Aumento do apetite e perda de peso associada com HIV/AIDS |
Cannabis, canabinoides orais |
Demência |
THC em cápsulas |
Espasticidade reportada pelo médico na esclerose múltipla |
Canabinoides orais |
Glaucoma |
Canabinoides orais |
Síndrome de Tourette |
TCH em cápsulas |
Sintomas depressivos em dindivíduos com dor crônica ou esclerose múltipla |
Canabinoides orais |
Transtorno de estresse pós-traumático |
Nabilona |
Fonte: adaptado de National Academies of Sciences, Engineering and Medicine, U.S. National Institute on Drug Abuse (Nida).
Quadro 13 – Evidências insuficientes ou ausentes sobre a eficácia terapêutica de Cannabis e canabinoides com referências dos principais estudos.
EVIDÊNCIAS AUSENTES OU INSUFICIENTES |
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Câncer, incluindo gliomas |
Esquizofrenia e outras psicoses |
Coreia e sintomas neuropsiquiátricos associados à doença de Huntington |
Síndrome anorexia-caquexia associada ao câncer e anorexia nervosa |
Distonia |
Síndrome do colón irritável |
Epilepsia |
Sintomas do sistema motor associados à discinesia induzida por levodopa |
Esclerose lateral amiotrófica |
Sintomas do sistema motor associados à doença de Parkinson |
Espasticidade em paralisia por lesão da medula espinhal |
Tratamento de drogadição a outras substâncias psicoativas |
Fonte: Adaptado de National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine 55; U.S. National Institute on Drug Abuse (NIDA) 56. * Epilepsia: Síndrome de Dravet e síndrome de Lennox-Gastaut comentadas em destaque a seguir